Uma manhã no parque

Jaqueline A. Brandão
5 min readSep 13, 2018

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Aos domingos eu faço corrida no parque perto de casa. Eu sempre me exercito, todos os dias, geralmente na academia ou na rua, mas aos domingos, eu gosto de correr pelo parque e ver as pessoas, tomar sol, estar ao ar livre com o vento no rosto e tudo mais.

Ao longo da larga pista de corrida, existem bancos para as pessoas sentarem. E sempre há gente lendo, tomando um café ou conversando. Também tem pessoas passeando com seus cães e pais com filhos chegando para brincar.

Como é domingo eu chego ao parque por volta das nove e trinta da manhã. Faço minha corrida ouvindo meu som e, depois de uma hora e umas três voltas na pista, sento, tomo uma água — às vezes um isotônico, me alongo e depois de um tempo, vou para casa.

Mas, este não foi um dos meus domingos comuns de corrida no parque.
Eu canto em uma banda, então, para reforçar o folêgo, eu corro cantando. Por isso, às vezes me distraio com a música. E foi num desses momentos de distração que tudo aconteceu.

Eu vinha normalmente correndo e cantando. Próximo a uma das curvas da pista, há uma enorme árvore centenária com um tronco igualmente grande, que bloqueia a visão de um dos bancos localizado logo depois da curva. Distraído, eu tropecei em algo próximo a grande árvore e cai um “puta” tombo. Lá, esparramado no chão, de costas para pista e olhos para o céu, meio desorientado, enquanto meu fone de ouvido tocava Metallica “Nothing Else Matters” e eu gemia a dor e a vergonha da queda, eu vi uma garota ruiva. Descabelada, com olhos cor de mel e óculos de grau com lentes grandes, ela surgiu em cima do meu rosto. Minha visão estava meio embaçada pela luz do sol, então quando meus olhos focaram no seu rosto sardento, ela brilhava com os reflexos dos raios de sol, avermelhados.

- Moço você está bem? — Ouvi sua voz entrando pelos meus ouvidos e me sentei imediatamente com ela agachada à minha frente.

- Moço?

- Oi. Eu disse sorrindo. — E ela sorriu de volta.

- Oi. Você está bem?

- Sim. Eu acho que tropecei em algo.

- Meu livro. Eu derrubei e quando ia pegá-lo você pisou nele e caiu. Desculpe. — Ela sussurrou um pouco tímida, envergonhada.

- Tudo bem, eu vou sobreviver. Fora minha dignidade, tudo está intacto! — Permaneci olhando para ela mais um tempo. Ela era completamente descabelada e usava um vestido de alcinhas verde, com um casaco e sapatilhas vermelhos. Seu rosto tinha muitas sardas, principalmente no nariz. Seus lábios tinham formato de coração e seus olhos cor de mel por trás dos óculos tinham espessos cílios e sobrancelhas ruivas. Uma ruiva autêntica, tão branca e sardenta, como chantilly salpicado com canela. Realmente doce.

Me apressei a levantar para não parecer um lunático encarando a garota. Percebi que ela ainda estava abaixada pegando o livro caído e mais dois, além de sua bolsa. Ela ergueu seu tronco e pude ver como ela era pequena, seus olhos encarando meu peito. Ela levantou o olhar para mim. E eu segurei-a pelos ombros, enquanto ela abraçava seus livros com um dos braços e segurava sua mochila com o outro. Eu fiquei feito um idiota olhando para ela. Eu estava claramente invadindo seu espaço pessoal, mas isso não pareceu incomodar a nenhum de nós.

- Seus fones de ouvido ainda estão no chão. — Ela disse quebrando o clima.

- O que?

- Os fones. — Ela repetiu, apontando para próximo dos meus pés onde meus headphones descansavam na pista com meu celular ainda conectados e a música tocando agora, era um rock melódico ao qual não prestei atenção. Me abaixei, peguei minhas coisas, conferi se tudo estava inteiro, e ainda bem, estava, enfiei o celular no bolso das minhas calças challenger e pendurei os headphones no pescoço, enquanto a pequena garota de cabelos louro morango me observava. Voltei a minha posição anterior de frente para ela, mas agora não tão próximo.

- Eu sou Caleb. — Estendi minha mão.

- Lou. — Ela esticou a pequena mão balançou-a na minha e rapidamente soltou.

-Lou. — Eu repeti meio hipnotizado e ela sorriu. Caramba, eu devo ter batido a cabeça mais forte do que percebi.

- Louise Morel. Eu estudo literatura. Por isso essa montoeira de livros. — Disse ela de repente. Eu gostei.

- Caleb Kovak. — Eu canto numa banda e corro no parque aos domingos.

- Você canta? — Ela perguntou e eu pude ver sua expressão mudar de tímida para tímida e surpresa.

- Sim.

- Que tipo de músicas?

- Rock romântico. Você gosta? — Ela olhou sorrindo para os próprios pés e sussurrou.

- Sim.

- Legal.

- Legal. — Ela repetiu ainda olhando para os pés.

- Ei, Lou. Olhe para mim. — Eu pedi baixinho, gentilmente. Ela levantou seus grandes óculos para me encarar e agora sua expressão era tímida e curiosa.

- Você quer um café?

- Café? — Lou repetiu questionando.

- É, um café, comigo. A gente senta toma um café, e você pode me mostrar o motivo do meu tombo.

- O motivo do seu tombo? — Ela perguntou juntando as sobrancelhas. E eu ri de sua expressão.

- É. Seu livro. — Eu disse apontando para os livros presos num aperto hercúleo de seu braço.

- Ah! — Ela disse olhando para o meu peito. Então, ela sussurrou ainda para o meu peito.

- Um café, seria legal.

- Lou. Olhe para mim. — Eu repeti suavemente. Então ela ergue sua cabeça para o meu olhar. Seus fios descabelados balançando nas costas. Ela parecia tão, indefesa, e ao mesmo tempo corajosa. Tão jovem e curiosa. Eu poderia descrevê-la de muitas formas. Mas encantadora talvez seja a melhor palavra.

- Um café seria legal. — Ela repetiu, falando um pouco mais alto e olhando para os meus olhos agora.

- Ok. Me deixe ajudar com sua mochila? — Lou me olhou e esticou a bolsa para mim. Eu peguei de suas mãos. Então ela sorriu. Um sorriso tão grande e bonito, que alcançou seus olhos e aqueceu meu peito e eu sei que foi ali. Naquele momento, que ela arrematou o laço, sem nem ter notado. Eu literalmente caí.

-Vamos? — Ela acenou positivamente com a cabeça ainda sustentando seu sorriso. E caminhamos juntos até o carrinho de café do parque.

Correção por: Lauane de Melo

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Jaqueline A. Brandão

Viva desde 1987. Permanentemente cansada, apaixonada por geleias de frutas vermelhas e escritora nos tempos vagos. Tenho uma gata e velas de cheiro.